obs: comece a leitura pelo capítulo anterior, o 1.
Levanto e caminho na direção das árvores do parque, pensando na pirua e seu pé desnudo com as unhas pintadas de sangue seco. Me aproximo de uma árvore grande, abro a braguilha e urino nas plantas em volta das raízes que se projetam do tronco grosso e marrom escuro da árvore. Estou pensativo, que é o mesmo que um oceano de águas transparentes e calmas, que se perde nas profundezas e volta como lulas gigantes atrás de peixes para o almoço.
Divago sobre a vida. Vida dura de policial. Estou neste caso do Velho há tres meses. Até agora só tenho pistas vagas, que se parecem à uma campina turva de mata esguia balançando-se ao vento. Quando penso que estou próximo o vulto se desfaz entre a multidão que, aos borbotões, passa em sentidos opostos pela minha frente.
Estou sentado na calçada junto a outros moradores de rua. Fui bem alimentado à noite pela ong das senhoras simpáticas.
Certa noite, enquanto dormia um pouco, entre a ong do cobertor e a das quentinhas, acordei com o ruído claro de gemidos de prazer. O amor de uma das voluntárias extrapolou o limite da caridade espiritual e alimentar, penetrando no reino dos sentidos físicos, os ditos carnais. Pelo que se ouviu foram varias vezes.
Ontem pela manhã um garoto surgiu e disse: "Sei onde está o velho que você procura." Meu coração disparou e senti meu corpo se alongando e o ceu escurecendo com pesadas nuvens de chuva que se aproximavam. Leve-me até ele, disse ao garoto. "Só se molhar a mão, doutô." Moleque com olhar destemido com boca grande beiçuda, sobrancelhas duras. Toma, vermezinho imprestável, resmunguei e dei o dinheiro ao garoto.
Subimos a Rio Claro, descemos a Lemam e dobramos na Corrientes, descemos a Ataualpa e adentramos pelo Morro do Pastel.
Eu sabia! O Morro do Pastel!
Por razões desconhecidas enquanto comia pastel na tarde do dia anterior, o reflexo efêmero do sol na borda limpíssima de um veículo imponente, preto, brilhante fez gemer o espírito audaz que dorme no interior de reconditos escuros da alma, qual potros galopando na ravina verdejante. Através dele vi um vulto, com um volume às costas, mancando com a perna direita. Com a direita? Ah! Claro! a direita é a esquerda, porra! evidente! cérebro atento! imagem refletida.
Naquele momento tive a intuição: num relance um flash veio-me à mente, e vizualizei o Velho no Morro do Pastel, pois eu comia um de queijo, maravilhoso, de dar água na boca.
O menino de short descalço camiseta do candidato a prefeito apontou uma casa trezentos metros adiante. "É aquela." ... continua