quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O Velho da Perna Fosforescente 1


Muito se falava no velho da perna fosforescente.

Ninguem sabia, no entanto, dizer onde morava, como encontrá-lo. Uma aura de mistério envolvia sua imagem.
Seria apenas uma lenda?
Uma criatura assim como o lobisomem ou o saci pererê?

Não parecia ser essa a opinião do meu superior, que estava sentado me fitando friamente, com olhos que se sobressaíam pelo centro isométrico no semblante austero do delegado. Caraleos
! O homem tá uma fera.
"Quero saber onde este velho está, quem é e o que carrega na pôrra do saco, entendeu! Gritou na minha cara lançando perdigotos.

Porra de delegado de merda! Vai tratar mal sua mãe seu filho de jumento capado! penso enraivecido enquanto desço as escadas da delegacia.

Quem é o homem idoso que aparece fugaz em lugares sinistros em momentos sinistros, carregando misterioso saco?

Isso é o que pretendo descobrir.

Para tal, conto com algumas informações obtidas durante minhas andanças pelas ruas desta cidade monstruosa. Dizem tê-lo visto passando pelo beco das Garrafas, no sábado à noite. Tambem foi ouvido que aparecera nos fundos do teatro municipal, mas aí, são tres versões diferentes: a da atriz, a do zelador e a do mendigo.
Vamos analisá-las:

A da Atriz:
Dementineva Troyavuska, atriz russa que veio morar nesta cidade sub-tropical depois de se apaixonar por um anão gay, afirma tê-lo visto dobrando a esquina e seguido em direção ao Largo da Misericórdia, carregando uma saca no ombro, com a perna fosforescente brilhando intensamente na escuridão da madrugada enevoada.
Alega que isso ocorreu na sexta-feira passada, quando deixava o teatro acompanhada de seu marido Carlitos - o anão gay. Ele alega não poder confirmar a informação pois, devido a razões de ordem espacial, não conseguia ver muito bem no momento pois estava com a ècharpe que lhe esvoaçou do pescoço e subiu para o ceu, prejudicando sua visão. Mas ouviu um ruído que parecia o de uma perna fosforecendo no escuro. Estes anões... é mole?
Reservadamente espiei na direção da esquina. Naquele momento perguntei a atriz: o que te atraiu no Carlitos? Ora, com quem eu teria tantos homens em minha cama? E por outra, ele é facil de manejar. Essas atrizes... É mole?

A do Zelador:
Raimundo Nonato, cearense de Sobral, trabalha como zelador no teatro há cinco anos. Diz que na noite de sexta-feira, assim que terminou o espetáculo, foi até a esquina da praça tomar uma branquinha. Ao retornar, cruzou com um velho que carregava um estranho saco nas costas e mancava da perna esquerda. O vulto chamou sua atenção pois tinha os olhos cerrados, só deixando à mostra um brilho vermelho, assustador. Perguntei sobre a perna fosforescente. Disse que o enevoado do momento, ou a força da pinga, não sabe ao certo, mais plausível os dois, lhe roubaram este detalhe. Esses zeladores... É mole?

A do Mendigo.
Régis Cardoso do Amaral Pedreira Rolandes, o mendigo, dorme sob a marquise do teatro há 25 anos. Diz que na referida sexta-feira, estava sendo atendido pela ONG SÓ SIAL, que leva quentinhas e agasalhos às 2a, 4a e 6a feiras, na parte da madrugada alta - de 0:00 às 2:00hs - quando uma das mulheres que lhe atendiam comentou com a outra: Olha lá aquele velho querendo pegar nossos necessitados! Veja! A outra mulher parou de massagear as costas de Régis, o mendigo, e respondeu: Não seja mesquinha Zuzu, tem necessitado a dar com pau, não é mesmo?
Diz o mendigo, Regis Rolandes, que neste momento, em que as coroas discutiam, viu o velho com longos cabelos brancos úmidos e desalinhados, carregando um saco às costas com uma perna esquerda enrolada em panos verdes, vermelhos e amarelos. Foi na direção da Igreja de N.Sra dos Remédios. Esses mendigos... É mole? O caminho oposto ao largo da Misericórdia! Pode, uma coisa dessas?

Mas aí surgiu outra pista: Na esquina da rua do Teatro com a Rua dos Porto foi encontrada uma peça misteriosa: Um retrato de Ursula Andrews, no tempo que era a gostosona do cinema, numa moldura de alumínio com fundo de madeira e vidro na frente. O retrato tinha uma dedicatória: "Ao meu amado Juvenildo, meu manquinho gostoso. Beijos nesta carinha de anjo caído. assinado: Ursulla, 1962".

Então! qual é a conclusão? Pois se o Velho da perna fosforescente se chama Juvenildo, o nome não combina com os fatos. Como o velho poderia ser Juvenildo? Não, definitivamente a pista é fraca. Logo concluo; meu cérebro detalhista marcou mais um ponto. Cérebro superdotado. Esses policiais... E mole?

Mais uma vez me vejo nessa situação! Não sei pra onde me dirigir. Penso um pouco, sentado no canteiro da calçada, sobre a grade de tubos metálicos. Estou com uma das mãos na cabeça, pensativo, como na escultura famosa de Rodin. Bosta! De nada valeu a postura do pensador! Não me surgiu ideia nenhuma; a não ser que... Isso! Já sei! nessas horas, em que nos bate aquela sensação de caindo no abismo sem paraquedas, o melhor a se fazer é não fazer nada.

Sentei-me próximo ao mendigo. Não taõ próximo que ele pudesse me ver como concorrente na coleta de esmolas ou que pudesse atrair com minha aparência de policial decadente, falido, a atenção dos voluntários que lhe alimentam, dão roupa, conforto espiritual e fisico, para que ele possa assim, resistir ao sofrimento de ser o que é: um mendigo.

De onde vem a palavra "mendigo"? Seria uma corruptela de Homem Digno? hoMEM DIGnO... Ou ainda Men, digo. Que significaria: Men - em inglês: homens -, digo. Diz o quê? Este caso está cada vez misterioso... as pistas se confundem, parece proposital... Meu estilo policial leva a conclusões lógicas.

Cuspo o chiclete, há muito no lugar de palavras que não saem, até por não saber como se comportar, em que ordem se colocar, chiclete sem gosto, já muito mascado. Ele fica sobre a calçada. Pouco depois uma senhora pirua vestida de oncinha brilhante com mechas azuis no penteado prateado pisa no chiclete que sai e vai agarrado ao escarpin vinho. Isso faz com que a pirua manque um pouco. Seria ela? O velho é um disfarce? Não. É só o chiclete que gruda a sola do sapato ao solo. Mais tres passos e o sapato fica, e o pé da pirua se desnuda. Que cena!

Este velho da perna fosforescente vaga pelas ruas desta cidade monstruosa, violenta e decadente, com um saco indefinido às costas e ninguem sabe seu paradeiro... muito sinistro.

O fato é que depois de tres dias e tres noites ali na marquise do teatro fiquei conhecendo as turmas de voluntários. Os horários aceitos para donativos, alimento ou palavras de conforto, vai de 22:00 às 2:00hs da madrugada. Se não organizarmos, vira bagunça, nem podemos dormir; que, afinal de contas este é o melhor deleite, é o maior requinte de ser morador de rua, dormir sem se preocupar com contas a pagar. Depois disso temos algumas horas de sono, até que chegue o dia e com eles milhares de pessoas que vão e vem, não se sabe pra onde..
... por enquanto é só, continuo em breve.

4 comentários:

  1. Quero saber o final....
    Vai..conta...hahaha..
    Bjsssssssssssssss
    Rê.

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  2. Qualquer dia, qualquer hora a continuação aparece. Os textos tem vida própria.
    bjs

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  3. Oi,
    vim aqui mais uma vez te visitar, diretamente do Overmundo... rs.
    Gostei do que encontrei. Parabéns pelo trabalho.
    Abs.

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